Uma vida pequena: Jude e sua relação com o seu consciente

Nilva Tonial
4 min readMay 8, 2021

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Uma análise psicanalítica do livro de Hanya Yanagihara que rende lágrimas, sorrisos e grandes reflexões sobre a vida. Alerta: contém spoilers!

Livro: Uma vida pequena — Hanya Yanagihara

O livro da escritora Hanya Yanagihara, “Uma vida pequena”, causou polêmicas desde seu lançamento, em 2016. Alvo de críticas, mas com um enredo que fisga o leitor da primeira à última página, a história também nos traz importantes reflexões psicanalíticas, especialmente na vida de Jude.

Traumas na infância e adolescência, sonhos repletos de lembranças, depressão e suicídio são alguns dos principais temas que envolvem a vida de Jude.

Em “Uma vida pequena” é narrada a história de quatro personagens que são amigos de faculdade: Jude, Malcolm, Willem e JB. Após os estudos, eles buscam um rumo na carreira. JB é um artista plástico instável, Willem é um ator que trabalha como garçom, JB é arquiteto de uma família abastada e por fim, Jude, que é um advogado muito inteligente, mas discreto e cheio de segredos.

Todos eles compartilham de uma amizade que dura a vida toda, repleta de dificuldades, mas também muito companheirismo, carinho e amor.

No decorrer dos enredos, os quatro amigos enfrentam dificuldades financeiras, profissionais e sentimentais, mas a história se aprofunda nos dilemas emocionais e físicos de Jude. Vítima de violência sexual na infância em um mosteiro, coagido a se tornar profissional do sexo ainda adolescente e transformado em escravo sexual de um médico psiquiatra que o retira da beira da estrada abandonado, vemos que o personagem passa por traumas na infância que lhe acompanham até os seus últimos minutos de vida.

Na dissociação do afeto, que se trata de um trauma vivido na infância que o sentimento é isolado na consciência, vemos como um exemplo a própria vida de Jude.

No consciente, ele cria uma relação do seu mundo interno, repleto de traumas do passado e com o externo, que tenta exteriorizar essas dores por meio de cortes nos pulsos e em outras áreas do corpo.

Essa mutilação possui início na adolescência de Jude, como uma fuga de seu sofrimento psíquico como profissional do sexo e vítima de violência sexual e psicológica.

Hanya também conta na história os sonhos que Jude tem. Para a psicanálise, os sonhos podem revelar desejos e traumas, sendo uma das formas de acessarmos o nosso inconsciente, parte da mente que não temos acesso fácil. Jude tem sonhos que envolvem perseguições, diretamente relacionado aos traumas que sofreu na infância, em que mostra seu inconsciente procurando saídas para o sofrimento que há em seu consciente.

Os sonhos são a realização de desejos escondidos e que muitas vezes não realizamos (Freud, A interpretação dos sonhos, 1900).

Muitas vezes esses desejos ficam reprimidos ou recalcados e vêm à tona quando a mente relaxa e o inconsciente consegue ter maior autonomia em relação ao consciente. Além disso, para Freud, os sonhos são o principal caminho para conhecermos mais da nossa vida psíquica.

Os sonhos revelam desejos recalcados do inconsciente e material infantil, com total relação ao que vemos na história de Jude.

Por fim, outro aspecto da obra da Hanya que merece destaque são as doenças psíquicas. A depressão é a principal delas na vida de Jude, mas se fizermos uma análise mais detalhada podemos identificar outras também. A perda de peso, o desinteresse nas atividades, a baixa autoestima, a tristeza constante são alguns dos sintomas relatados no livro e que o Jude enfrenta, sendo diretamente relacionados à depressão.

O personagem enfrenta esses sintomas durante boa parte da vida, porém eles são agravados quando enfrenta o luto do companheiro e melhor amigo Willem. Jude, que já enfrenta os traumas originados na infância, ainda precisa lidar com essa perda que ocorre de forma repentina. Assim, vemos também outro tema sério abordado no livro, que é o suicídio.

O personagem tenta tirar a própria vida em alguns momentos, porém é impedido por amigos e familiares. Após muitos anos de sofrimento, realiza tratamento terapêutico para lidar com suas questões do passado. Porém, o luto o desmotivou a continuar as sessões e o afundou ainda mais na depressão.

Dessa forma, Jude busca acabar com seu sofrimento psíquico tirando a própria vida.

Porém, quando começa seu processo terapêutico, Jude precisa ser obrigado por familiares e por seu companheiro para iniciar o tratamento. O personagem resiste, porém se conforma. Entretanto, o pouco empenho nas sessões e a dificuldade de contar ao analista toda a sua história e o que tem lhe afligido em todos aqueles anos fez com que ele desistisse.

Portanto, vemos que o livro aborda diversos assuntos psicanalíticos e que nos confronta em relação ao sofrimento do personagem em relação aos seus traumas do passado, sua forma de lidar com seu sofrimento psíquico e os efeitos psicossomáticos em seu corpo no decorrer dos anos. Além disso, vemos que os traumas da infância, que se tornam lembranças, são trazidos à tona pelos sonhos, com sugestões do consciente de saídas, conforto e liberdade de questões que o aprisionam.

Por fim, “Uma vida pequena” é uma leitura capaz de nos gerar reflexões profundas sobre o psíquico, essencial para todos que desejam conhecer mais sobre a mente.

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Publicitária, estudante de psicanálise, seminarista.

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